O Vale do Taquari recebe hoje, 23 de setembro, uma das maiores referências da ciência mundial. O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, professor no Dartmouth College (EUA) e primeiro latino-americano a vencer o Prêmio Templeton, palestra às 18h30min no Teatro Univates, em Lajeado. Intitulada “Reconstruir e Reencantar: Ciência, Consciência e o Cuidado com a Vida”, a programação é gratuita e tem ingressos esgotados.
Para a vice-reitora da Univates e presidente do Conselho de Desenvolvimento (Codevat), Cintia Agostini, o momento é de abordar novos significados nos conceitos de comunidade e natureza. “O Rio Taquari, berço das nossas cidades, de riqueza natural, que tanto nos ofereceu, agora nos dá medo. É um momento de reencantar-se com a vida e de não sermos tão duros com nós mesmos.”
O diretor-executivo do Grupo A Hora, Adair Weiss, também destaca o ineditismo. “Tê-lo no Vale é motivo de orgulho, pelo respeito que conquistou no mundo. Ele converge com nosso modelo social e com o empreendedorismo consciente que pulsa na região.”
Promovido pelo Grupo A Hora e pela Universidade do Vale do Taquari (Univates), com patrocínio do Sicredi Integração RS/MG e apoio da administração de Lajeado, da Associação do Ministério Público do RS (AMP/RS) e da Amvat, o evento busca pensar a sobrevivência humana em tempos de crise climática e de desinformação, com uma nova relação com o ambiente e com as tecnologias.
Ciência e espiritualidade
Gleiser defende que o mundo enfrenta não apenas uma crise ambiental, mas também uma crise de sentido. “Crescemos com a falsa impressão de que somos mais poderosos que a natureza. Mas não somos. O que pode gerar mudança real é uma transformação profunda de comportamento, capaz de influenciar governos e empresas a adotar medidas de longo prazo”, afirma.
Ele propõe que a espiritualidade seja entendida como uma conexão com o mundo natural, e não como uma experiência religiosa. “Quando falo de espiritualidade, não me refiro ao sobrenatural. Trata-se da ligação profunda com o planeta, algo que nossos ancestrais indígenas cultivavam. Perdemos esse vínculo ao longo do desenvolvimento e agora vivemos os impactos dessa ruptura. Precisamos resgatar o encantamento com a natureza, porque só se preserva aquilo que se ama.”
Outro ponto de alerta é o avanço da desinformação em temas científicos. Para o pesquisador, dar o mesmo peso a opiniões sem base empírica e ao trabalho de especialistas é um “absurdo” que ameaça políticas públicas e a própria sobrevivência.
“O que precisamos é de pessoas com credibilidade ocupando mais espaço no debate público.”
Quem é Marcelo Gleiser
- Nasceu no Rio de Janeiro em 1959
- Doutor em Física Teórica pelo King’s College de Londres
- Professor titular de Física e Astronomia no Dartmouth College (EUA) desde 1991
- Primeiro latino-americano a receber o Prêmio Templeton (2019), considerado o “Nobel da espiritualidade”
- Autor de livros traduzidos em 18 idiomas, como A Dança do Universo, A Ilha do Conhecimento e O Despertar do Universo Consciente
- Fundador do think tank The Island of Knowledge, criado em 2024 na Itália
Serviço
- O que: palestra“Reconstruir e Reencantar: Ciência, Consciência e o Cuidado com a Vida”
- Quando: hoje, terça-feira, 23 de setembro, às 18h30min
- Onde: Teatro Univates, Lajeado
- Ingressos: gratuitos, esgotados
Entrevista
Marcelo GleiseR • astrofísico, professor e escritor
“O que vai resolver é uma mudança de atitude profunda de cada indivíduo”
A Hora – O senhor defende a ideia de pertencimento em vez de controle. Aqui no Vale do Taquari, região tão prejudicada por desastres ambientais, por vezes se debatem projetos para “domar” o curso do rio. Isso diz muito da relação humana com a natureza. Como avalia essa questão?
Marcelo Gleiser – Esse é o ponto central. Nós crescemos com uma impressão falsa de que somos mais poderosos do que a natureza. Achamos que podemos tudo: abrir túneis, mudar curso de rios, erguer barreiras… Mas nada disso se compara à força da natureza. Nada. A mesma lógica aparece no combate ao aquecimento global. A gente pensa: se o mar subir, levantamos as ruas. Isso é colocar um esparadrapo em um tiro de revólver. Alivia um pouco, mas não adianta. O que vai resolver é uma mudança de atitude profunda de cada indivíduo. E, aos poucos, essa mudança pressiona empresas e governos a adotar medidas de longo prazo. A opinião pública tem um poder enorme.
A Hora – Muitos pensam: “Sou um só, não faço diferença”. Como mudar isso?
Gleiser – É preciso entender que cada gesto conta. Se eu uso menos água, menos energia, gero menos lixo, opto por transporte coletivo ou bicicleta, eu cumpro meu papel. E quando alguém próximo vê isso, pensa: “Por que eu não faço também?”. É o efeito bola de neve. A transformação coletiva começa na escolha individual.
A Hora – O senhor fala também em uma inversão de ética, muito visível nas redes sociais. Como lidar com esse ambiente tóxico?
Gleiser – Hoje todo mundo tem uma opinião. E porque tem uma conta no Instagram, acredita que sua opinião vale tanto quanto a de um especialista que trabalha há 30 anos no assunto. Isso é um absurdo. A saída é dar mais voz a quem tem credibilidade: cientistas, professores, pesquisadores. A academia precisa ocupar espaços, falar nas redes, nas escolas, nas igrejas, nas comunidades. Explicar que certos temas não são opinião, são ciência. Se não fizermos isso, nossos filhos e netos vão sofrer muito mais. É egoísmo da nossa geração não agir agora.
A Hora – Essa mudança também passa pela economia. Como crescer sem repetir os erros que trouxeram tantos impactos ambientais?
Gleiser – Existe, sim, um caminho. Hoje há certificações que avaliam se as empresas estão alinhadas à preservação ambiental. Elas mostram que é possível crescer cuidando do ambiente. Depende da vontade da administração. Talvez seja preciso “apertar o cinto” no curto prazo, mas a longo prazo é sustentável. A ideia de crescimento infinito em um planeta finito é insustentável. É preciso rever esse modelo.