• VALE DO TAQUARI

Enchentes abrem caminho para avanço de espécies invasoras

Após tragédia de 2024, vegetação exótica ameaça recuperação da mata ciliar e eleva riscos de erosão e novos desastres


Por Rodrigo Gallas

Quinta-feira, 28 de agosto de 2025 ás 13:25

Atualizado quinta-feira, 28 de agosto de 2025 ás 13:25

Enchentes abrem caminho para avanço de espécies invasoras

Pouco mais de um ano após as enchentes históricas de maio de 2024, que devastaram cidades inteiras do Vale do Taquari, no RS, a população ribeirinha enfrenta uma nova ameaça, desta vez silenciosa, quase invisível à primeira vista. Nas áreas antes ocupadas por mata ciliar nativa, agora surgem com força espécies de plantas exóticas invasoras, como o capim-annoni (originário da África) e a uva-japonesa (da Ásia).

À primeira vista, as margens parecem “verdes” novamente, como se a natureza tivesse se regenerado após o desastre. Mas, segundo especialistas, essa cobertura não passa de uma ilusão. “A vegetação que toma conta das margens não é a mesma que protege o rio. Quem olha pode ter a impressão de que a mata ciliar voltou, mas as plantas exóticas invasoras não cumprem essa função ecológica essencial”, alerta a professora Elisete Maria de Elisete, doutora em botânica e docente da Universidade do Vale do Taquari – Univates.

A falsa recuperação da paisagem

O que preocupa os cientistas é a rapidez com que essas espécies ocupam as áreas degradadas. Diferentemente das nativas, que possuem raízes profundas e estruturas capazes de resistir à força das águas, as invasoras têm caules frágeis e superficiais. Isso aumenta o risco de erosão e deslizamentos nas próximas chuvas fortes. “Qualquer temporal arranca essas plantas. Elas não têm resistência. As espécies de mata ciliar, como ingás, sarandis e corticeiras, possuem múltiplos troncos e flexibilidade para segurar a correnteza, enquanto as invasoras são pequenas e finas”, explica Elisete.

Além do risco estrutural, há impactos diretos sobre a biodiversidade. As exóticas competem de forma agressiva pelo espaço, inibindo a germinação de espécies nativas. “A uva-japonesa, por exemplo, cria uma sombra tão densa que nada cresce embaixo dela. O solo fica limpo, sem outras plantas”, detalha a pesquisadora.

Antes mesmo da cheia de 2024, estudos já indicavam a presença de pelo menos 18 espécies exóticas invasoras ao longo do Taquari, entre elas a amora-preta, a mamona, o capim-elefante e diversas variedades de braquiária. Essas plantas já eram um desafio, mas a destruição da vegetação nativa pela força das águas acelerou o processo. “O que antes era localizado, hoje é quase generalizado. Não houve atenção imediata para recuperar a mata ciliar, e isso abriu espaço para a invasão”, observa Elisete.

Custos milionários para recuperar as margens

Restaurar as margens do Taquari não é tarefa simples, nem barata. De acordo com cálculos da professora da Univates, recuperar apenas um quilômetro de mata ciliar custa em média R$ 1,5 milhão. Esse valor inclui desde a preparação do solo e a compra de mudas nativas até a instalação de estruturas de engenharia natural e o monitoramento ambiental. A presença de gramíneas invasoras torna o processo ainda mais caro. “Quando a margem está tomada por capim-annoni ou braquiária, é preciso primeiro eliminar essas espécies, o que exige mais tempo, recursos e acompanhamento técnico”, explica.

Outro fator que agrava o quadro é a dispersão natural das sementes. Pesquisadores identificaram, por exemplo, que o graxaim-do-mato, um mamífero típico da região, tem ajudado a espalhar a uva-japonesa. Sementes foram encontradas em suas fezes, mostrando como os animais, sem intenção, carregam a invasão para novas áreas.

O que dizem as autoridades

A Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (Sema) afirmou que mantém o Programa Estadual de Controle de Espécies Exóticas, voltado à prevenção e ao monitoramento, em parceria com a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A pasta também destacou uma ação emergencial realizada no Vale do Taquari em 2024: o lançamento aéreo de mais de 5 milhões de sementes nativas, em áreas de movimento de massa, com apoio do Exército, da Univates e do Ibama.

Apesar disso, especialistas consideram as medidas insuficientes. O botânico Gerhard Overbeck, da UFRGS, alerta para uma tendência preocupante: “Podemos esperar um aumento das invasões biológicas no sul do Brasil, não apenas por causa das mudanças climáticas e do uso da terra, mas também devido à falta de políticas efetivas de conservação e restauração”.

A urgência da restauração

Para Elisete e outros pesquisadores, a recuperação da mata ciliar não pode ser vista apenas como uma questão ambiental, mas também de segurança para as comunidades. A vegetação nativa funciona como uma barreira natural contra a erosão, ajuda a manter a qualidade da água e serve de abrigo para inúmeras espécies animais.

“Se não houver intervenção rápida e planejada, vamos trocar um desastre pelo outro. A enchente derrubou as árvores, e agora a invasão compromete a possibilidade de regeneração. A recuperação das margens precisa ser prioridade absoluta na reconstrução do Vale do Taquari”, reforça a professora da Univates.

Desafio coletivo

A luta contra as invasoras é global. A Organização das Nações Unidas (ONU) já classificou as espécies exóticas invasoras como uma das cinco principais ameaças à biodiversidade do planeta, ao lado das mudanças climáticas, da poluição, da destruição de habitats e da exploração excessiva de recursos naturais.

No caso do Taquari, o desafio é duplo: restaurar o que foi perdido e, ao mesmo tempo, impedir que o “verde enganoso” das invasoras continue a avançar. Para isso, será necessário integrar esforços de governos, universidades, organizações ambientais e comunidades locais.

Notícias relacionadas

Nenhuma notícia relacionada encontrada.