Pouco mais de um ano após as enchentes históricas de maio de 2024, que devastaram cidades inteiras do Vale do Taquari, no RS, a população ribeirinha enfrenta uma nova ameaça, desta vez silenciosa, quase invisível à primeira vista. Nas áreas antes ocupadas por mata ciliar nativa, agora surgem com força espécies de plantas exóticas invasoras, como o capim-annoni (originário da África) e a uva-japonesa (da Ásia).
À primeira vista, as margens parecem “verdes” novamente, como se a natureza tivesse se regenerado após o desastre. Mas, segundo especialistas, essa cobertura não passa de uma ilusão. “A vegetação que toma conta das margens não é a mesma que protege o rio. Quem olha pode ter a impressão de que a mata ciliar voltou, mas as plantas exóticas invasoras não cumprem essa função ecológica essencial”, alerta a professora Elisete Maria de Elisete, doutora em botânica e docente da Universidade do Vale do Taquari – Univates.
A falsa recuperação da paisagem
O que preocupa os cientistas é a rapidez com que essas espécies ocupam as áreas degradadas. Diferentemente das nativas, que possuem raízes profundas e estruturas capazes de resistir à força das águas, as invasoras têm caules frágeis e superficiais. Isso aumenta o risco de erosão e deslizamentos nas próximas chuvas fortes. “Qualquer temporal arranca essas plantas. Elas não têm resistência. As espécies de mata ciliar, como ingás, sarandis e corticeiras, possuem múltiplos troncos e flexibilidade para segurar a correnteza, enquanto as invasoras são pequenas e finas”, explica Elisete.
Além do risco estrutural, há impactos diretos sobre a biodiversidade. As exóticas competem de forma agressiva pelo espaço, inibindo a germinação de espécies nativas. “A uva-japonesa, por exemplo, cria uma sombra tão densa que nada cresce embaixo dela. O solo fica limpo, sem outras plantas”, detalha a pesquisadora.
Antes mesmo da cheia de 2024, estudos já indicavam a presença de pelo menos 18 espécies exóticas invasoras ao longo do Taquari, entre elas a amora-preta, a mamona, o capim-elefante e diversas variedades de braquiária. Essas plantas já eram um desafio, mas a destruição da vegetação nativa pela força das águas acelerou o processo. “O que antes era localizado, hoje é quase generalizado. Não houve atenção imediata para recuperar a mata ciliar, e isso abriu espaço para a invasão”, observa Elisete.
Custos milionários para recuperar as margens
Restaurar as margens do Taquari não é tarefa simples, nem barata. De acordo com cálculos da professora da Univates, recuperar apenas um quilômetro de mata ciliar custa em média R$ 1,5 milhão. Esse valor inclui desde a preparação do solo e a compra de mudas nativas até a instalação de estruturas de engenharia natural e o monitoramento ambiental. A presença de gramíneas invasoras torna o processo ainda mais caro. “Quando a margem está tomada por capim-annoni ou braquiária, é preciso primeiro eliminar essas espécies, o que exige mais tempo, recursos e acompanhamento técnico”, explica.
Outro fator que agrava o quadro é a dispersão natural das sementes. Pesquisadores identificaram, por exemplo, que o graxaim-do-mato, um mamífero típico da região, tem ajudado a espalhar a uva-japonesa. Sementes foram encontradas em suas fezes, mostrando como os animais, sem intenção, carregam a invasão para novas áreas.
O que dizem as autoridades
A Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (Sema) afirmou que mantém o Programa Estadual de Controle de Espécies Exóticas, voltado à prevenção e ao monitoramento, em parceria com a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A pasta também destacou uma ação emergencial realizada no Vale do Taquari em 2024: o lançamento aéreo de mais de 5 milhões de sementes nativas, em áreas de movimento de massa, com apoio do Exército, da Univates e do Ibama.
Apesar disso, especialistas consideram as medidas insuficientes. O botânico Gerhard Overbeck, da UFRGS, alerta para uma tendência preocupante: “Podemos esperar um aumento das invasões biológicas no sul do Brasil, não apenas por causa das mudanças climáticas e do uso da terra, mas também devido à falta de políticas efetivas de conservação e restauração”.
A urgência da restauração
Para Elisete e outros pesquisadores, a recuperação da mata ciliar não pode ser vista apenas como uma questão ambiental, mas também de segurança para as comunidades. A vegetação nativa funciona como uma barreira natural contra a erosão, ajuda a manter a qualidade da água e serve de abrigo para inúmeras espécies animais.
“Se não houver intervenção rápida e planejada, vamos trocar um desastre pelo outro. A enchente derrubou as árvores, e agora a invasão compromete a possibilidade de regeneração. A recuperação das margens precisa ser prioridade absoluta na reconstrução do Vale do Taquari”, reforça a professora da Univates.
Desafio coletivo
A luta contra as invasoras é global. A Organização das Nações Unidas (ONU) já classificou as espécies exóticas invasoras como uma das cinco principais ameaças à biodiversidade do planeta, ao lado das mudanças climáticas, da poluição, da destruição de habitats e da exploração excessiva de recursos naturais.
No caso do Taquari, o desafio é duplo: restaurar o que foi perdido e, ao mesmo tempo, impedir que o “verde enganoso” das invasoras continue a avançar. Para isso, será necessário integrar esforços de governos, universidades, organizações ambientais e comunidades locais.